domingo, 14 de março de 2021

A mensagem



Uma mensagem separava o ficar do partir. A cada notificação, o coração batia alternando esperança e decepção. Um duelo interior em que uma parte dizia: “preciso acreditar” e a outra parte: “já sabia”. Sem notar, corria a tela curtindo memes. Os olhos vidrados, mas o coração em outro lugar. Compartilhava a citação que no fundo tocava, na melhor auto indireta que poderia se mandar. Alguém comentava algo tentando conexão, mas os sentimentos estavam em modo avião.
Até que o toque veio, obrigando aterrissar. Segurou o celular, mas uma vida havia se passado em cada segundo demorado.
O que estava escrito? Já não importava. Desligou junto com todos os diálogos internos que só aconteceram enquanto esperava.

Bruxa Moderna



Coração renascido das cinzas.
Já não conseguem queima-la, pois traz o FOGO dentro de si.
Filha de Prometeu, ofusca a escuridão.
Mágica? É a liberdade como se assume.
O amor próprio que não precisa de aprovação. Encantamento provocado pela autonomia de ser quem é.
Sua risada aguçada é luta contra séculos de estereótipos, que faz qualquer ignorância temer.
Voar? Deixou seu sonho seguro no AR, mas agora, mantém seus pés firmes no chão para não se enganar com as ilusões do caminho. Não se deixa conduzir, escolhe seus passos. Dança, mesmo sozinha.
Varinha? Ela não precisa de artifícios, tem o poder na palma das mãos. Mãos que agarram e materializam o que prudentes chamam de Impossível.
Lidera sem perder a emotividade que a conduz. Ressignificando a ÁGUA que escorreu dos olhos de suas ancestrais em um brilho de quem enxerga além. É arco-íris após tempestade.
É força instintiva da natureza e do tempo.
Sensualidade de uma inteligência voraz, que tem ânsia de viver.
Domina as ciências, a arte e a razão.
Estabelecendo na TERRA
O domínio e direito
De ser Mulher

Opostos



“Opostos se atraem.” Não, essências se atraem. Pensamentos e sentimentos afinados, ainda que a personalidade seja diferente.
Identificação não é espelho, mas ritmo. E dança precisa de um mesmo compasso ou corre o risco de pisarem um no pé do outro.
À postos se atraem! Corações dispostos e entregues, que mesmo independentes voam espontaneamente para a mesma direção. Sem isso, atração vira tração.
E o abrigo se torna relento ou ambos passam a querer modelar o outro para que caibam ali (mesmo que não caibam). Um cabo de guerra entre o que se quer e o que se é.

Transtorno de Ansiedade Social



Em um momento, que várias bandeiras inclusivas são levantadas, não vejo uma voz relevante falar sobre o Transtorno de Ansiedade Social (T.A.S). Se viver em silêncio já é uma grande dificuldade, viver em um mundo que se cala diante da dor de alguém, é ainda maior. O que não me surpreende que o T.A.S seja uma das maiores causas de suicídio. Como se entender sem representatividade?
E justamente por isso, resolvi falar sobre esse assunto. Não posso me abster ou ser indiferente, se nasci com esse traço tatuado na alma. Vejo milhares de pessoas sofrendo diariamente, deslocados por se sentirem estranhos ou pela estranheza que causam, justamente por não saberem o motivo de ser como são. E como qualquer “transtorno”, quanto antes houver o diagnóstico, maiores as chances de recuperação.
Ansiedade social não é timidez, ainda que tenha semelhanças com ela. Mais do que um constrangimento e dificuldade na interação e manutenção social, o ansioso social tem uma disfunção que o paralisa, especialmente diante de grupos ou situações de exposição, apresentando inclusive sintomas físicos variados derivados da ansiedade como: excesso de suor, taquicardia, falta de ar,...
A grande dificuldade desse distúrbio de personalidade é que ele é visto como uma aparente normalidade. Enquanto nos dizem: “Ele é quieto, é só o jeito dele”, nossa alma grita por um pedido de socorro. “Você precisa sair mais” como se tudo fosse condicionado meramente a vontade, o que costuma agravar o sentimento de incapacidade.
Tenho observado ao longo da vida, crianças com alguns sinais (e os pais ignorando o fato), mas os sintomas são certamente agravados na adolescência, uma vez, que somos convidados a fazer parte de grupos e se iniciam as relações amorosas. Enquanto o mundo nos convida a ir para fora, acabamos nos isolando dentro de nós. Assim, comprometendo relações pessoais, familiares, afetivas e profissionais. E consequentemente, recebendo rótulos diversos e gerando um crescente sentimento de inadequação. Uma existência “invisível”.
Sempre tive uma característica diferente: buscar me autoconhecer, observar tudo ao meu redor (já que não tinha uma grande interação) e tentar superar os meus limites. Ainda assim, não consegui evitar uma depressão no meio do caminho e ter beirado à morte. Justamente, por ter tão pouca informação ou discussão, é um caminho solitário, longo e árduo de tentativas. Sem atalhos ou apoio, uma vez, que a nossa dificuldade de comunicação, faz que para os outros tudo pareça apenas um jeito “reservado”. E como os sentimentos não “saem”, eles nos implodem. Não sendo raro, pessoas com essa personalidade serem autodestrutivas: indiretamente pelo uso de drogas/ álcool ou diretamente através do suicídio. Não é fácil sobreviver em uma ilha, nascemos para viver em sociedade.
Eu tive sorte, me deparei com a arte. Ela virou a minha droga. Através dela, encontrei um caminho de expressão e fuga desse cárcere chamado “corpo”. Sim, para portadores de T.A.S., o corpo é um rigoroso presídio que controla não apenas a oralidade, mas a espontaneidade do comportamento. E como todo presidiário, não recebemos muitas visitas.
Alguns caminhos, além da arte, me ajudaram até aqui e espero que possam ser úteis não apenas para quem vivencia esse “sentimento”, mas para quem convive com alguém assim.
A terapia, sem dúvida, é fundamental. Quando estamos sozinhos dentro de nós, nossas percepções são parciais, mas acompanhados, somos levados a descobrir caminhos, possibilidades e ver novos horizontes. Além do profissional capacitado ser como um cirurgião, com a técnica apropriada de intervenção, apesar das limitações do “paciente”.
Em alguns casos, dependendo do nível de ansiedade social, o uso de medicações prescritas é recomendado. Se o foco está na tentativa de controlar o corpo, certamente, perdemos as rédeas dos nossos pensamentos. Assim, acalmar a tensão do corpo, permite uma manifestação mais livre.
Grupos de autoajuda embora escassos (inclusive nas redes sociais), são um grande auxílio. Identificar pessoas com o mesmo problema, ajuda na constante sensação de estarmos sozinhos nele. Assim, como naturalmente, costuma ocorrer um recíproco apoio e incentivo. Como disse antes, ninguém nasce para viver só e é sempre bom, encontrar pessoas que entendam nosso “idioma”.
Fazer um diário é algo positivo. Precisamos falar mesmo que sejamos nosso divã e terapeuta. Os sentimentos precisam sair para que não se voltem contra nós. Escreva do jeito que conseguir, mas não marginalize o que pensa ao inconsciente. Não consegue escrever? Grave um áudio para você mesmo. Torne-se consciente. Tenha coragem de ver fora de você, aquilo que carrega e tudo parecerá mais leve. Lentamente, o caos interior se organiza do lado de fora.
Mesmo sabendo que esse texto será lido por uma minoria, pela extensão e pelo que representa, sinto que é meu dever fazê-lo. Falar por tantas vozes ignoradas e aprisionadas dentro de si. Se ajudar uma única pessoa, terá valido a pena. Além do tempo ter me ensinado, que a nossa cura está dentro do próprio medo. E escrever sem máscara, faz parte da minha automedicação.
Aprendendo uns com os outros, avançamos na compreensão de que precisamos uns dos outros, exatamente do jeito que são. E se você convive com alguém assim, não tema sua reação. Seu problema não é a proximidade, mas a falta dela.

A droga da paixão



A paixão é uma droga. Calma, não digo que seja ruim, mas é química como uma. Não confundir com ter “química” com alguém. Essa química é hormonal e atua nas mesmas áreas do cérebro das drogas ilícitas.
Coração acelerado, euforia, delírios, respiração curta e tremor só de ver aquele sorriso e olhar?
Enquanto responsabiliza o coração, o cérebro produz uma alta dosagem de hormônios (desde a dopamina que produz alegria à endorfina que funciona como um anestésico). Quanto mais o tempo passa e mais você diz que está perdidamente apaixonado(a), mas o corpo se torna dependente dessa química e exige a manutenção dela. O vício está instaurado.
Isso explica a grande dificuldade dos términos (quando ainda há a paixão envolvida). Porque como droga, cortar repentinamente do organismo aquilo que ele vinha recebendo, pode gerar uma abstinência súbita, o que explica o sofrimento e a dificuldade de esquecer a relação.
Racionalmente, você sabe que acabou, mas o corpo continua dependente da química que recebeu, o que faz apropriada a expressão “dependente” emocional. O cérebro não satisfeito em ser traficante de nossas emoções, também é associativo. Então você tenta esquecer, mas cada vez que se depara com algo que foi rotina dos dois, automaticamente fará a correlação com a pessoa.
Assim como alguém que tinha o hábito de fumar após o café, terá muita dificuldade de parar de fumar, se não cortar o café também. Porque por associação, a conexão entre as duas coisas foi estabelecida.
Logo, como toda droga, se “curar” do vício exige persistência diária. Distanciamento de lugares ou eventos que correlacionem, também ajuda na recuperação. Buscar novos caminhos, novas experiências, gerando novas conexões, sentidos e significados. Aprender coisas novas se dedicando ao autoconhecimento até o “descondicionamento químico” que é facilmente percebido quando o outro já não tem mais influência sobre você.
Vale um alerta que tentar substituir uma paixão por outra pode equivaler a misturar duas drogas e o resultado: overdose.
Para quem está sofrendo da abstinência da paixão, os grupos de auto ajuda já ensinaram: “mais 24 horas”, um dia de cada vez. Mas para aqueles que estão mergulhando agora é bom conhecer esse grande mar chamado emoção. Aprender a nadar evita afogamentos.

Por uma fresta



"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura" - Nelson Rodrigues
Hoje, somos todos esse menino. E não digo pela pureza de quem descobre a magia pela primeira vez, mas porque ninguém mais abre a porta. Não apenas as portas das residências por medo de violência, mas as do coração pelo mesmo medo de ser machucado. Nos contentamos em espiar no escuro pela fechadura. Ouvir meias palavras abafadas em algum lugar, ditas por alguém que desconhecemos e assumimos que aquilo basta como verdade.
Porque entrar em um lugar exige tomar partido e ser parte de uma história.
Para que se fixar, se basta correr a tela?
É uma grande ilusão pensar, que a falta de envolvimento é segurança. Pois vemos um mundo cada vez mais murado, acuado e oprimido dentro de si e em suas celas virtuais (antes mesmo da pandemia) a tal ponto da agressividade se manifestar em uma mera opinião. Panelas de pressão prestes a explodir, cheias de ar, mas vazias de algo nutritivo.
Aquilo que não foi vivido é um boato, não sentimos na pele, mas antes, pegamos a pele de alguém emprestada e damos a nossa própria versão. E nessa inversão de valores, tudo vira aversão. O amor não sobrevive na aversão, porque ele é a nossa melhor versão!
No dito popular: “O amor não vai bater na sua porta” há um grande erro. O amor se anuncia diariamente em um grande barulho interior. Escutamos ele batendo, mas temos medo do que ele representa. Porque o amor nunca vem sozinho, ele traz junto a mudança! Ele nos tira do lugar comum, muda a forma de enxergar, mexe com nossas estruturas confortáveis, encaixota e doa o que não serve, mais do que tudo: ele escancara nossas portas não apenas para que ele possa entrar, mas para que nos abramos para o mundo.
Enquanto uns buscam a chave que perderam para abrir a porta e outros dizem que o amor foi
extraviado pelo caminho, ambos sofrem pelo medo de sofrer. Seguimos espiando uns aos outros, cada um do seu lado, esperando alguém tomar a iniciativa de entrar.

Amizade

 



Não importa quantos desvios e encruzilhadas, amizade é aquele caminho onde ambos sempre se acham.
É o contrapeso do nosso equilíbrio de alguém que não desiste de nós, mesmo quando eventualmente, desistimos.
É a persistência incorporada em outro corpo que extrai palavras mesmo quando nos calamos. O intérprete de nossos silêncios e narrador atuante de nossas histórias.
Um riso fácil, mesmo quando nada é fácil. É presença, mesmo ausente. Permanência nas passagens.
É o nosso sentimento batendo no peito do outro, que ausculta o nosso melhor, mesmo antes de o descobrirmos.
A pérola de nossas profundezas. Um mergulho sem medo de se molhar (inclusive pelas lágrimas).
Portas sempre abertas de quem tem todas as chaves. Não são escolhidos, mas destinados!
Amizade se conta nos dedos, no encontro dos dedos em um aperto de mão, de quem nos puxa para si para que possamos ser (espontâneos e inteiramente) nós mesmos.
<Fernando Paz>

Repúdio “culposo”



Dizem que de boas intenções, o inferno está cheio. Mas no Brasil, ter más intenções concede um paraíso de impunidade.
Aqui não ter intenção é “culposo”! A culpa mesmo, quem leva é sempre a vítima, condenada sem julgamento ao inferno. O Halloween passou, mas as fogueiras continuam acesas. E séculos depois, mulheres continuam sendo queimadas, simplesmente, por serem quem são: mulheres. Nem parece termos chegado no século XXI.
No século XV, para provar a virgindade da mulher, “uma questão de honra”, essa era exposta em um tribunal, sendo examinada e desnudada em público. Uma busca pela “honra” que desonrava sua vida para sempre. O que difere de hoje?
Quando ainda é a vítima que precisa apresentar as provas? Quando quem mais precisa de defesa do Estado é quem mais precisa se defender contra Ele?
Tendo sua intimidade devassada duas vezes: pelo abusador e pela Justiça (cega).
Não sou jurista e nem advogado, mas a lei que defendo é a empatia! Quantas revisões do Código Penal precisaremos para que vença a Humanidade (essa sim, com H maiúsculo)?
Não há estupro culposo como a Inquisição nunca foi “Santa”.
<Fernando Paz>

Medio-cre



Sempre achei curioso o uso dessa palavra para definir alguém. Medíocre deriva de "médio", que por sua vez, significa mediano. Vivemos em tempos, que tudo precisa ser tão espetacular, que ser "mediano" é uma ofensa. E nessa elevada padronização da realidade, os detalhes que importam ficam de lado. E se a razão compra essa ilusão, a emoção não acompanha. O que explica que em 10 anos, o número de depressivos tenha crescido mais de 100%.
Nos tornamos a linda vitrine (uns dos outros) de uma loja vazia por dentro. Inspiramos o desejo do outro do que não temos para vender. Resultado? Constante frustração e quebra de expectativas. Um consumismo emocional, que nos consome no processo.
Vivemos a era do marketing pessoal. É mais importante o seu currículo do que quem você realmente é. A estória contada vale mais do que a história vivida.
Um dia de chuva pode ser tão belo quanto um dia de sol, ainda que não renda uma foto. Porque não é o que você vê, mas a forma como escolhe enxergar. Está triste? Tudo bem! Você não é diferente, porque todos ao redor parecem sorrir! Muitas vezes, o sorriso esconde as lágrimas. O poeta Khalil Gibran já sentenciou: "O mesmo poço de onde sai o vosso riso esteve muitas vezes cheio de lágrimas. E como poderá ser de outra maneira? Quanto mais fundo a tristeza entrar no vosso ser, maior é a alegria que podereis conter."
Como diz o dito popular: "Quem está na chuva é para se molhar". Então se molhe! Dance na chuva! Mesmo que não possa mostrar isso para mais ninguém. Fotos desgastam com os anos, a lembrança não.
Não tema ser medio-cre! Estar na média é aprender a viver no meio. O equilíbrio da balança no qual os dois lados importam. Se importar vale mais do que postar. Os melhores momentos só precisam de legenda para a "Imagem meramente ilustrativa".
<Fernando Paz>

Animar


Sempre me encantei com as palavras por elas mudarem o significado do mundo que vivo. Uma animação que me tira da apatia de só existir. Aliás, “animar” seria a palavra perfeita, uma vez que vem de “anima” que significa alma. Animar é dar vida à algo. Logo, não estranho que “animação” seja usada como celebração, porque festejamos aquilo que nos toca. Desanimar? É a falta de espirito, de sentido,... um corpo desanimado, literalmente, está morto. Porque somos mais do que pele e nervos, somos energia e conexão. Viver é animar-se ou , simplesmente, se amar.